domingo, 16 de julho de 2017

Diabetes tipo 2: fármacos para além da metformina

Diabetes tipo 2: fármacos para além da metformina
·       Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência – CEMBE – Junho de 2017
o                                                 
QUESTÃO CLÍNICA
Qual a eficácia e segurança da monoterapia com metformina em comparação com a sua associação a outros agentes, nos adultos com diabetes mellitus tipo 2?

DESCRIÇÃO DO ESTUDO
Metanálise de um total de 204 estudos com durações entre os 3 meses e os 8 anos (22 deles com mais de 2 anos), com 81% desses sendo controlados e randomizados, que avaliaram comparativamente várias medicações (metformina, tiazolidinedionas, sulfonilureias, inibidores da DPP-4, inibidores do SGLT-2 e agonistas do receptor GLP-1) para diabetes mellitus (DM) tipo 2 em monoterapia ou em combinação com metformina. Os restantes eram estudos observacionais, que contribuíram para a avaliação dos fatores confundidores. Aproximadamente 65% dos estudos incluídos eram duplo-cegos, as perdas no seguimento foram superiores a 20% na maioria dos estudos e os participantes incluídos foram adultos diabéticos tipo 2, com excesso de peso ou obesidade e hemoglobina glicada (HbA1c) entre 7-9%.

OUTCOMES

Primários:
·       Mortalidade por todas as causas
·       Complicações macrovasculares
·       Complicações microvasculares
Intermédios:
·       HbA1c
·       Peso corporal
·       Pressão arterial sistólica e frequência cardíaca

De segurança:
·       Hipoglicémia
·       Efeitos secundários gastrointestinais
·       Efeitos adversos específicos dos inibidores de SGLT-2
·       Insuficiência cardíaca congestiva

RESULTADOS
Quanto aos outcomes primários, existe evidência de qualidade moderada sugerindo uma menor mortalidade cardiovascular a longo prazo com a metformina, em comparação com as sulfonilureias em monoterapia. A evidência foi de baixa qualidade ou insuficiente para analisar os restantes fármacos.
Quanto aos outcomes intermédios, a maioria das medicações analisadas proporcionaram uma redução equivalente na HbA1c, com excepção dos inibidores da DPP-4 que proporcionaram uma redução menor em comparação com a metformina ou com as sulfonilureias. As tiazolidinedionas e as sulfonilureias foram associadas a um aumento do peso em comparação com o restantes agentes. Os inibidores do SGLT-2 e agonistas do receptor GLP-1 reduziram a pressão arterial sistólica em 3 a 5 mmHg sem aumento concomitante da frequência cardíaca.
Quanto aos outcomes de segurança, verificou-se um risco aumentado de hipoglicemia com as sulfonilureias, de efeitos secundários gastrointestinais com a metformina e os agonistas do receptor GLP-1, de insuficiência cardíaca congestiva com as tiazolidinedionas e de infeção genital com os inibidores do SGLT-2.

CONCLUSÕES
A evidência continua a suportar o uso de metformina como terapêutica de primeira linha na diabetes tipo 2, mas ainda não é suficiente para tirar conclusões sobre as restantes terapêuticas disponíveis em monoterapia nem como adjuvantes à metformina.

COMENTÁRIO
Em 2014, a OMS reportou que 8,5% da população mundial com mais de 18 anos tinha Diabetes Mellitus, tendo a prevalência desta doença mais que duplicado nas últimas 3 décadas e sendo responsável por mais de 1,5 milhões de mortes anuais. No entanto, o tratamento da DM tipo 2 continua controverso, com a metformina recomendada como terapêutica de 1ª linha custo-efetiva e com vários outros fármacos sugeridos mas sem indicações conclusivas quando o controlo glicémico não é obtido.
Em concordância com as atuais guidelines de tratamento da DM, esta metanálise veio uma vez mais demonstrar a falta de evidência científica e de ensaios clínicos de alta qualidade para fazer recomendações sobre os fármacos anti-diabéticos adjuvantes, além de reforçar a eficácia e segurança da metformina. Embora tenham sido incorporados 204 estudos nesta análise, não foi possível tirar conclusões para os outcomes primários (mortalidade e complicações micro- e macrovasculares) com as diferentes classes de adjuvantes.
Várias limitações foram apontadas pelos autores, nomeadamente: apenas 65% dos estudos são duplo-cegos, e dentro desses a maioria não reportou que medidas utilizou para garantir esta característica; quase metade dos estudos não incluiu a raça/etnia dos participantes, e a maioria excluiu a população idosa e com comorbilidades significativas; existiu um elevado número de perdas durante o seguimento (>20%); aproximadamente 67% dos estudos receberam financiamento de companhias farmacêuticas. Além disso, esta metanálise teve apenas em conta as classes farmacológicas e não as possíveis diferenças entre fármacos da mesma classe que contribuem para a heterogeneidade dos estudos analisados.
Na ausência de melhores evidências, os autores sugerem por isso que a decisão da terapêutica adjuvante à metformina seja feita com base nas evidências de qualidade moderada que existem atualmente, nas comorbilidades do doente, nas preferências e tolerância do doente e preferência do médico quanto ao perfil de eficácia e segurança de cada fármaco (HbA1c, aumento de peso, hipoglicemia, efeitos gastrointestinais) e nas considerações logísticas, nomeadamente forma de administração e custo do fármaco.
Porque os estudos incluídos foram de curta duração (máximo de 8 anos), não foi possível tirar conclusões a longo prazo, nomeadamente para os outcomes de segurança. A curto e médio prazo, as conclusões retiradas dos efeitos adversos farmacológicos podem ajudar na orientação da escolha da terapêutica adjuvante.
Esta metanálise suporta a sugestão para a realização de estudos observacionais de alta qualidade num futuro próximo, que permitam concluir sobre a eficácia e segurança dos fármacos anti-diabéticos e que venham trazer mais objetividade à terapêutica desta doença comum e mortal.


Autores: Juan Rachadell Pereira, Raquel Vareda  Alves , António Vaz Carneiro